Ler

«O que afasta uma criança ou um adolescente da leitura de um livro, não é só a televisão, o mundo fascinante dos videogames, dos computadores, das compras, dos lanches no Mac Donald’s...
O que afasta um leitor dos livros é quando o livro deixa de ser vivo - quando se perde a narração feita ao pé da cama, na hora de dormir, na infância e se passa a obrigação da “ficha de leitura”, obrigatória para o “bom cumprimento do programa escolar”.
Ler não é verbo que suporte o imperativo. Aversão que partilha com alguns outros verbos: o verbo amar, o verbo sonhar...
Bem é sempre possível tentar, é claro...
Vamos lá:
Me ame!
Sonhe!
Leia!
Resultado?
Nulo.
Uma só condição para se reconciliar com a leitura: não pedir nada em troca. Absolutamente nada. Não erguer nenhuma muralha fortificada de conhecimentos preliminares em torno do livro. Não fazer a menor pergunta. Não passar o menor dever. No acrescentar uma só palavra àquelas das páginas lidas. Nada de julgamento de valor, nada de explicações de vocabulário, nada de análise de texto, nenhuma indicação bibliográfica... Proibir-se completamente “rodear o assunto”.
Leitura-presente.
Ler e esperar.
Não se força uma curiosidade, desperta-se!
Ler, ler e ter confiança nos olhos que se abrem, nas cabeças que se divertem, na pergunta que vai nascer e que vai puxar uma outra pergunta...
Resta compreender que os livros não foram escritos para que as crianças ou os jovens os comentem, mas para que, se o coração mandar eles os leiam.»

(Pennac,Daniel, Como um Romance, tradução de Leny Werneck, Rocco, Rio de Janeiro, 1993)

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